quarta-feira, 14 de abril de 2010

GILBERTO DIMENSTEIN - Eu e o resto do mundo

São Paulo, quarta-feira, 14 de abril de 2010

GILBERTO DIMENSTEIN

Eu e o resto do mundo

NA PROXIMIDADE da crise dos 40, duas publicitárias, amigas desde os tempos em que estudaram na USP, resolveram desorganizar um pouco suas vidas. Acreditavam estar sofrendo do que chamaram de "crise do olhar", cansadas de gastar tempo só vendendo produtos. Mergulharam no caos que lhes parecia a periferia paulistana. O resultado vai ser mostrado hoje, durante um festival de documentários.
Lila Rodrigues e Karina Ades lançam "Eu, o Vinil e o Resto do Mundo", uma investigação, realizada durante quatro anos, sobre o universo dos DJs, seus códigos e baladas. "Reaprendemos a olhar o mundo", conta Karina. "O que não sabemos direito é o que fazer com esse aprendizado", emenda Lila.


Formada em semiótica, Karina foi trabalhar com publicidade. Sempre nas rotas da zona oeste de São Paulo, foi vivendo protegida por muros.
Em sua "crise do olhar", ela foi ficando crescentemente incomodada pelo fato de produzir filmes publicitários que disseminavam imagens de um mundo asséptico com uma estética asséptica. Em 2006, como criava videoclipes, recebeu um convite para filmar um campeonato de DJs em São Paulo -naquele ano, comemorava-se o décimo aniversário do evento. "Notei que estava diante de uma aventura."
A aventura não era produzir o vídeo sobre o campeonato, mas investigar a vida dos DJs e os segredos daquela tribo. Encontrou sua amiga Lila, formada em cinema, vivendo a mesma crise. Sem nenhum dinheiro, saíram pela inóspita periferia atrás de seus personagens.


Pela primeira vez, Karina usaria, involuntariamente, seus conhecimentos de semiótica para entender a linguagem dos DJs. As duas amigas acabaram aprendendo os sinais de uma cidade como São Paulo. Descobriram toda uma rede de solidariedade na periferia, desconhecida para elas, que pertencem ao universo dos incluídos paulistanos, um mundo onde os vizinhos nunca se encontram. "Muitas vezes, senti que o caos estava no meu mundo, não no deles, apesar de tanta pobreza material", diz Lila. Agências de publicidade, afinal, não são ambientes exatamente angelicais e harmoniosos.


O filme será mostrado hoje à noite no festival de documentários "É Tudo Verdade". Karina e Lila não sabem se conseguirão exibi-lo em circuito comercial. Se já é difícil dar destaque comercial a qualquer documentário, mais difícil ainda se o tema for a periferia.
Elas não vão deixar a publicidade, mas saíram da empreitada com um projeto para suas horas vagas. Querem produzir para a internet vídeos de 60 segundos sobre os personagens invisíveis da cidade de São Paulo -tornados, então, visíveis para o resto do mundo.


PS - Coloquei trechos do filme no www.catracalivre.com.br. É uma belíssima reportagem.
gdimen@uol.com.br

Nenhum comentário: